Quem pode ser mediador profissional no atual contexto da legislação brasileira?

Quem pode ser mediador profissional no atual contexto da legislação brasileira?

Uma breve análise dos requisitos legais para o exercício da mediação profissional no Brasil de 2021.

O que é mediar? Mediar é “tratar ou discutir como mediador; mediatizar. Estar no meio; distar igualmente”1. A mediação de conflitos tem origem milenar, com uma longa e variada história em diversas culturas2. Todos nós mediamos conflitos em algum momento de nossas histórias pessoais ou profissionais. As mães e os pais aprendem na prática diária com seus filhos a serem mediadores hábeis. No ambiente educacional, gestores e professores medeiam os mais diversos conflitos no seu dia-a-dia escolar. No ambiente de negócios e nas práticas corporativas há profissionais com inegável habilidade, capazes de mediar situações de grande complexidade. Portanto, mediar está em nós, enquanto pessoas. Porque pessoas interagem e precisam lidar com seus interesses e com os interesses alheios. Neste contexto, sempre haverá alguém que, intuitivamente ou mesmo dispondo de alguma técnica, poderá “estar no meio” e auxiliar outros a entrarem em um acerto.

Mediar é, pois, acima de tudo “distar igualmente”. O que nada mais é do que estar distante de um e de outro na mesma medida. O mediador não pode pender para nenhum dos lados, senão contaminar-se-á das razões daquele para o qual pendeu e invariavelmente comprometerá a confiança da outra parte e de todo o processo de mediação. “Estar no meio” é atributo fundamental do mediador, sob pena de invalidade de toda a mediação.

O que é mediar profissionalmente? Nos dias de hoje, em vários países e recentemente no Brasil, a mediação de conflitos tomou contornos profissionais, com vistas a aperfeiçoar e incorporar um sistema que vem evoluindo tecnicamente no mundo. A profissionalização da mediação vem ocorrendo porque os países que passaram a treinar e capacitar mediadores a atuarem no contexto do Poder Judiciário, a exemplo dos Estados Unidos a partir da década de 1990 e do Brasil a partir de 2010, passaram a colher consideráveis resultados na diminuição de demandas judiciais. No Brasil, a Lei de Mediação (Lei n. 13.140/2015) dispõe que a mediação é atividade técnica, exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que é escolhido ou aceito pelas partes ou designado pelo Tribunal (artigos 1º, 2º e 3º). O mediador é, pois, orientado pelo princípio da imparcialidade, que é exatamente a garantia dada às partes de que não atuará na função caso conheça uma das partes, muito menos se for advogado, psicólogo, administrador, contador, etc., de qualquer uma delas ou de ambas. Então, “estar no meio” ou “distar igualmente” hoje é requisito de lei.

Em que pese origem milenar, multicultural e intuitiva da mediação, seu procedimento no contexto profissional-corporativo e em demandas judiciais na complexidade dos dias atuais, com toda a certeza, conta com grande espectro e largo aprofundamento de questões. No ambiente profissional o mediador deverá, por disposição legal, ser capacitado tecnicamente, além de ter experiência contínua e ser atuante na área. Além disso, e sobrepondo-se à capacitação técnica e experiência constante, o mediador profissional deverá ser imparcial e integrado aos demais princípios da mediação, presentes no artigo 2º da Lei de Mediação. A mediação exercida de forma profissional é, pois, atividade complexa, que requer conhecimentos outros, que vão muito além da mera intuição negocial.

A atividade de mediador hoje no Brasil é regulada em lei. Significa que a lei organizou e sistematizou uma atividade pouco conhecida, quanto mais reconhecida, tanto pela cultura brasileira, quanto pelo ambiente corporativo e judicial. Esse processo de sistematização teve início em 2010, com a Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e logo após com a Lei de Mediação (2015) e o Novo Código de Processo Civil (2015), privilegiando os métodos alternativos de resolução de disputas, dentre eles a mediação. Foram criados, no Poder Judiciário, os NUPEMECs (Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos) e os CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania), para organização e realização das sessões e audiências de conciliação e mediação. Os mediadores, judiciais ou privados, passaram a ter suas atividades reguladas em lei, portanto são submetidos inclusive aos impedimentos de sua atuação nas mesmas hipóteses que o julgador de um processo judicial. Neste contexto, importa referir o disposto nos artigos 5º e 6º da Lei de Mediação, uma vez que são aplicáveis ao mediador (judicial ou extrajudicial) as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz (arts. 144 e 145 do Novo Código de Processo Civil).

A função profissional de mediador é tão importante e tão sensível, que a imparcialidade – a neutralidade do profissional da mediação – toma contornos capazes de atribuir ou não validade a todo o processo. Significa dizer que a mediação profissional não é válida se o mediador tiver qualquer ligação com uma das partes ou com ambas. O parágrafo único do artigo 5º da Lei de Mediação inclusive determina que o mediador “tem o dever de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstância que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito (…)” É por isso que advogados são impedidos de atuarem como mediadores perante seus clientes. É por isso que psicólogos não aplicam a mediação com seus pacientes. É por isso que profissionais outros, a exemplo do administrador judicial nomeado em processo de recuperação judicial, não são mediadores. A par disso, advogados, psicólogos, gestores, administradores, ou quaisquer outros que pretendam atuar como mediadores profissionais, o farão fora do contexto de suas carreiras de origem. Estando, então, o mediador desatrelado de qualquer das partes envolvidas em um processo de mediação, poderá atuar como mediador judicial ou privado.

Poderá funcionar como mediador extrajudicial (privado), portanto fora do contexto do Poder Judiciário, qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação (artigo 9º da Lei de Mediação), além de ser imparcial e respeitar os demais princípios e procedimento da mediação (artigo 2º e outros da Lei de Mediação). A lei não detalha a “capacitação” do mediador extrajudicial. Apenas refere que deverá ser capacitado para fazer a mediação. É possível subtender-se que o mediador privado deve, então, ser qualificado tecnicamente, a despeito de submeter-se a qualquer requisito prático ou comprobatório de sua capacitação. Certo é que muitos mediadores privados são capacitados por setores específicos e muitos compõem câmaras privadas, com profissionais mediando no setor econômico, internacional ou institucional.

Por seu turno, poderá atuar como mediador judicial, pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em ensino superior, capacitada em escola ou instituição de ensino de formação de mediadores reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) ou pelos tribunais, observados os requisitos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça, além de ser imparcial e respeitar os demais princípios e procedimento da mediação (artigo 11 e outros da Lei de Mediação). Convém esclarecer que o mediador judicial poderá atuar também de forma privada, autonomamente ou compondo quadro de câmara privada de mediação e conciliação.

Vê-se que o espectro profissional do mediador judicial é consideravelmente maior que o do mediador extrajudicial. Parece que a exigência primeira quanto à graduação em ensino superior em qualquer área do conhecimento (direito, medicina, engenharia, educação, psicologia, etc.) bem demonstra preocupação do legislador em que o mediador seja balizado por uma experiência profissional mínima em uma área do conhecimento. O mediador judicial precisa, além disso, obter formação teórica em escola reconhecida pela ENFAM, pelos tribunais dos estados e mediante os requisitos do CNJ e do Ministério da Justiça. Após, o mediador judicial precisa cumprir um largo processo de capacitação prática, atuando em conjunto e supervisionado por mediadores judiciais e instrutores de mediação. Terminada a capacitação teórica e prática básica, o mediador é credenciado junto ao Tribunal do Estado em que atuará como mediador e seu credenciamento estará disponível em lista do CNJ. O sistema de certificação do mediador judicial ainda prevê recertificações frequentes, com supervisão de instrutores. Para capacitar-se como mediador familiar ou empresarial o mediador deverá, ainda, submeter-se a cursos teóricos e práticos específicos nessas áreas, além de já ser credenciado e atuante como mediador judicial (mediação básica). Ou seja, o mediador de família e o mediador empresarial somente poderão atuar em mediações judiciais nessas áreas se forem credenciados em mediação básica e se cumprirem os cursos de capacitação nessas áreas específicas, certificando-se nelas também.

A capacitação técnica do mediador judicial, não obstante este poder atuar de forma extrajudicial (privada), é detalhada e aprofundada. Os mediadores judiciais são realmente atuantes na prática judiciária. São legítimos mediadores, uma vez que a sua atuação semanal, senão diária, no contexto judicial, garante experiência prática e traquejo diante de conflitos complexos e demandas muitas vezes emaranhadas em processos judiciais de décadas. Inegavelmente, os mediadores atuantes no Poder Judiciário, que contem com certificação do Tribunal de Justiça do seu Estado e que constem da lista credenciada do CNJ, são mediadores capazes de agregar conhecimento técnico e experiência necessária para mediações simples ou complexas. E estes profissionais mediadores sabem, na prática, como proceder quando estiverem diante de uma situação de impedimento ou suspeição em processo de mediação judicial ou privada, garantindo a idoneidade do protocolo, a credibilidade e a validade do procedimento, certamente respeitando a confiança das partes ao indicar outro profissional mediador.

A mediação ocupa novos e complexos contornos nos dias atuais. Ela entra forte no Brasil do século XXI, constando de leis e recomendações de sua utilização nas mais diversas áreas, tais como no direito de família, no direito empresarial, no direito notarial e de propriedade intelectual/industrial, no direito do consumidor, dentre outros. Relacionar esta valiosa prática intuitiva milenar com a complexidade das necessidades da mediação no contexto contemporâneo, encontra seu fundamental ponto de ligação na imparcialidade, no “estar no meio”, no “distar igualmente”, como requisito de atuação do mediador profissional. Ao lado, a capacitação e profissionalização dos mediadores é complexa, exigindo conhecimento técnico específico e aprofundado, além da prática constante desses profissionais à mesa de mediação (ou no contexto virtual), como efetivamente ocorre na mediação judicial, sob pena de subverter-se uma ferramenta importante de resolução alternativa de disputas em mais um instituto que não se viabiliza no Brasil, porque seus princípios e fundamentos não foram respeitados e viabilizados. Para tanto, faz-se fundamental que cada um encontre seu papel de atuação nesse novo contexto: mediadores, advogados, juízes, administradores e partes. Cada qual alinhado com suas atribuições e competências. Contudo, certamente, o único destes atores capaz de mediar é o mediador profissional.

1 Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/mediar/ acesso em 12/02/2021.

2 OLIVEIRA. Luthyana Demarchi de. SPENGLER, Fabiana Marion. O Fórum Multiplas Portas como política pública de acesso à justiça e à pacificação social (recurso eletrônico). Curitiba: Ed. Multideia. 2013.