O ensino e a mediação escolar em tempos de COVID-19

Por Adriana Rivoire Menelli de Oliveira. PhD.

 

Na semana em que a Unesco comemora o Dia Mundial da Educação, importante trazer para discussão o tema do ensino em tempos de crise, tendo em vista que este é um dos setores da sociedade mais afetados, além dos também importantes temas da economia e, nesse momento, o da saúde pública.

Desde que o problema da pandemia pelo COVID-19 se instalou no mundo, uma das decisões mais acertadas da maioria dos países foi o fechamento das escolas, tendo em vista a iminência do contágio altamente devastador possível de afetar crianças, adolescentes e jovens, por serem os espaços escolares locais de trocas de experiências e de convivência diária.

No Brasil, a crise instalou-se em março de 2020, sendo iniciada na China, no início do corrente ano, e dissipando-se para outros países da Ásia, Europa, Américas e Oceania. De acordo com os últimos dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que monitora os impactos da pandemia na educação, “191 países determinaram o fechamento de escolas e universidades. Essa decisão, atinge cerca de mais de 1,5 bilhão de estudantes afetados pela pandemia em todo o mundo, o que acarreta uma crise sem precedentes devido ao COVID-19.” A Unesco reafirma que o número representa “87% da população mundial de estudantes que interromperam, de maneira súbita e sem precedentes, a sua educação.” (PORTAL UNESCO BRASIL, 2020)

No início de março de 2020, a Unesco realizou uma reunião de emergência com ministros da Educação de diversos países para discutir estratégias para continuidade do ensino diante da pandemia do COVID-19.

As recomendações da Unesco (2020) foram encaminhadas, conforme divulgadas, abaixo, para os sistemas de ensino com relação à (ao):

1. escolha das melhores ferramentas de tecnologia, serviços de comunicação, internet, televisão e rádio;

2. acesso de estudantes de baixa renda ou com deficiências às novas tecnologias;

3. segurança das comunicações online, bem como ao compartilhamento de dados, sem violar a privacidade dos estudantes;

4. conexão entre os entes da comunidade escolar como um todo, cuidando para que não haja isolamento estudantil;

5. organização do calendário escolar, às metodologias de ensino e atendimento das necessidades escolares;

6. formação e orientação aos pais e familiares sobre as novas tecnologias voltadas ao ensino;

7. otimização dos recursos tecnológicos educacionais;

8. avaliação escolar de forma a atender de forma adequada os estudantes;

9. respeito ao ambiente familiar, às necessidades dos estudantes e tempo de duração adequado para as videoaulas; e

10. criação de conexões entre professores, pais, estudantes e dirigentes para minimizar o isolamento escolar.

De acordo com essas recomendações, os sistemas de ensino de cada país têm procurado atender da melhor forma seus estudantes, adequando as atividades escolares e acadêmicas dentro das suas capacidades e disponibilidades.

As escolas brasileiras procuraram organizar seu calendário e suas atividades conforme as orientações e recomendações da organização mundial, respeitadas às diferenças regionais e estruturais dos sistemas de ensino público e privado, em se tratando de um país continental como o Brasil. Por certo essa tarefa não está sendo fácil tendo em vista as dificuldades econômicas, falta de tecnologia e de material para os estudantes e professores em muitas das regiões do país, exigindo pró-atividade das autoridades e ações que atendam às necessidades prementes.

Em 1º de abril de 2020, por meio de uma decisão excepcional, o governo federal do Brasil assinou Medida Provisória (MP) determinando a isenção das instituições de ensino do “cumprimento do mínimo de dias letivos, mantendo a carga horária de 800 h/a para completar o ano de estudo”, por conta da pandemia do novo coronavírus e pelo período de emergência da saúde pública. (PORTAL MEC, 2020).

Em 28 de abril de 2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou parecer com novas diretrizes, tanto para a educação básica quanto para a superior durante a pandemia. O documento autorizou os sistemas de ensino a computarem atividades não presenciais para cumprimento de carga horária, sugerindo a utilização de períodos não previstos como recesso escolar do meio do ano, de sábados, e a reprogramação de períodos de férias, entre outros. De acordo com o parecer, as escolas devem buscar minimizar os prejuízos escolares, bem como otimizar as atividades de forma a não haver necessidade de complementação presencial para o cumprimento das exigências de calendário. Esta recomendação flexibilizou o ensino e colocou as escolas à tomada de decisão. Cada estabelecimento de ensino, respeitadas às diretrizes dos sistemas estaduais e municipais de ensino deverá, portanto, reorganizar seu calendário e negociar junto aos conselhos escolares, familiares, estudantes e professores a melhor forma de atendimento ao ensino e a aprendizagem. Diante dessa decisão, o momento merecerá muito diálogo e formas de mediação e de negociação para um bom entendimento na comunidade escolar. Os dirigentes, estudantes e familiares necessitarão de espaços de diálogo para trocas de sugestões atendendo às necessidades de todos os envolvidos. (PORTAL MEC, 2020).

De acordo com o CNE, “uma série de atividades não presenciais podem ser utilizadas pelas redes de ensino durante a pandemia. Meios digitais, videoaulas, plataformas virtuais, redes sociais, programas de televisão ou rádio, material didático impresso e entregue aos pais ou responsáveis são algumas das alternativas sugeridas.” (PORTAL MEC, 2020)

Pela novo Parecer do CNE, de 28 de abril de 2020, ainda por ser homologado pelo MEC, algumas mudanças serão necessárias para o cumprimento do mínimo de 800 h/a pelas escolas, como, por exemplo, o não avanço das aulas além do mês de janeiro de 2021. Isso irá requerer que, atividades antes previstas pela escola, terão que ser modificadas em seus objetivos, considerando uma previsão de pelo menos 75 dias de fechamento dos estabelecimentos de ensino em todo o Brasil, requerendo um retorno flexível e planejado para o cumprimento dos planos educacionais. Em caso das escolas não conseguirem se organizar, talvez o CNE precise rever a obrigatoriedade das 800 h/a, ou outras alternativas poderão ser ainda debatidas pelo MEC e a sociedade como um todo. Para tanto, as escolas precisarão de tempo para um novo planejamento e negociação junto às comunidades escolares.

O ambiente escolar caracteriza-se pela aprendizagem e trocas de conhecimento, além de espaço fértil para a transmissão de vírus e bactérias, principalmente por estarem os estudantes sujeitos a atividades de interação em locais que por vezes extrapolam a sala de aula. Certamente, o fechamento das escolas nesse momento foi uma das melhores decisões de proteção humana, até que o problema seja resolvido ou minimizado.

No entanto o isolamento social que impõe, por um período, o fechamento das escolas traz consequências tanto para os referidos estabelecimentos, como para os estudantes e professores dos diferentes graus de ensino. Pode-se elencar como preocupantes algumas questões, como o cumprimento do currículo escolar, o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem para os estudantes e o atendimento as suas necessidades, em uma situação adversa como a que estamos vivendo nesse momento com o COVID-19.

Uma das medidas tomadas pelo governo federal para atender os sistemas de ensino dos estados e municípios foi a de autorizar o ensino remoto, por meio de plataformas on-line, TV aberta, dentre outras alternativas, que por um lado colocam familiares, estudantes e professores diante de novos desafios para adaptação de atividades, antes realizadas nas escolas e ambientes acadêmicos e que, agora, devem ser realizadas em casa. Isso tudo faz com que rotinas e atividades sejam totalmente novas para todos. Por certo, após a pandemia, muitas formas de atuação docente, assim como estudantil de ensino e aprendizagem irão ampliar os debates sobre a formação escolar e a atuação docente, o que colocará o ensino em outro patamar de discussões para possíveis alterações nos planos para a educação. A decisão do Ministério da Educação (MEC) de contemplar alternativas de ensino remoto para atender às escolas e seus estudantes liberou os estados e os municípios para a continuidade dos trabalhos, sem previsão de retorno às aulas presenciais em todo o país.

Com dados fornecidos pelas secretarias estaduais de educação, divulgados em matéria jornalística pelo O Globo (2020), verifica-se que a situação do ensino à distância ampliou-se desde que a pandemia pelo COVD-19 foi reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em março de 2020. A grande maioria dos estados brasileiros aderiu ao ensino remoto, sendo quinze estados, mais o Distrito Federal, que somam ao todo 4,2 milhões de alunos. Nos demais estados, alguns destes anteciparam férias escolares, como Minas Gerais, Acre e Paraná. Outros suspenderam as aulas até que novas decisões sejam tomadas.

Uma das preocupações que vem sendo ventilada pelos pais e familiares dos estudantes brasileiros é com relação ao vínculo escolar, principalmente para os pequenos estudantes da educação infantil e dos que ainda estão se alfabetizando. Muitas crianças não entendem o que vem acontecendo e precisarão de novos espaços e tempo de adaptação no retorno às aulas presenciais, o que se torna um problema para as escolas e para os familiares enfrentarem, posteriormente à pandemia, quando do retorno escolar presencial. Um período de nova adaptação será necessária e um planejamento cuidadoso definido entre pais e professores. Para os estudantes do ensino fundamental e médio, a questão principal nesse momento é com a adaptação à rotina de estudos no ambiente familiar e com as ferramentas tecnológicas, que antes não utilizadas com tanta frequência, hoje, fazem parte do dia a dia de toda a família. Além disso, pais e familiares estão tendo que conviver e acompanhar os estudos de seus filhos com muita intensidade e, de certa forma, essa nova rotina tem exigido novos conhecimentos sobre as ferramentas tecnológicas disponíveis para os estudos diários. Essa é uma questão que nem pais e escola estavam preparados para enfrentar, mas que a necessidade tem exigido uma adaptação.

Com certeza, por ser o Brasil um país continental e com regiões distantes e com realidades muito diferentes, há situações em que os estudantes não têm acesso à tecnologias educacionais e, por vezes, internet, ou até a TV aberta, o que demonstra que atualmente muitos alunos se encontram fora da sala de aula e sem atendimento escolar. Esta é outra situação a ser abordada, porque coloca em risco o ano letivo dessa gama de estudantes, que estão à espera de um acompanhamento educacional. Com relação a essa situação, os sistemas de ensino dos municípios e dos estados precisarão dar conta de um plano de atendimento a todos os estudantes, o que exigirá das autoridades a elaboração de um calendário especial para o cumprimento curricular.

Muitas questões estão postas e os sistemas de ensino precisarão, junto com as escolas e comunidades escolares, dar conta de todos esses desafios promovidos pela crise do COVID-19, convergindo ações para o bem do atendimento e das necessidades do ensino brasileiro e a todos os estudantes, de forma que não se criem lacunas de aprendizagem pela perda de conhecimento durante esse período.

O fato é que toda a sociedade deve responsavelmente responder sobre a forma como minimizar todos os problemas que vêm surgindo e a melhor maneira de se obter respostas é por meio do diálogo, da reflexão e das ações assertivas, sobretudo para o melhor atendimento aos estudantes de todo o país.

Uma das formas para auxiliar a resolução de muitos conflitos que poderão surgir a partir das experiências e da realidade do COVID-19 no ambiente educacional é a mediação escolar, que pode ser utilizada tanto por professores, quanto por familiares e estudantes, como forma de minimizar e solucionar questões que envolvam relacionamento entre os pares, entre escola e família e entre docentes.

A escola caracteriza-se como um espaço social, relacional e cultural, que convive com uma comunidade de pessoas que compartilham um mesmo ambiente, como docentes, estudantes, famílias, gestores, funcionários administrativos e agentes educativos, com diversas experiências de vida e motivações em prol da educação.

Com essa diversidade, o ambiente escolar propicia o ensino e a aprendizagem para toda a comunidade que está inserida, sendo, portanto, uma organização aprendente que desafia os indivíduos a produzirem a sua própria existência.

A mediação no âmbito escolar, portanto, visa potenciar uma convivência harmoniosa, democrática, inclusiva e cidadã, reforçando o papel da escola como agente educativo e cultural nas comunidades em que se insere. Procura dotar crianças e adultos de uma compreensão dos princípios e respeito pela liberdade, justiça, democracia, direitos humanos, tolerância, igualdade e solidariedade.

A Cultura de Paz “está intrinsecamente relacionada à prevenção e à resolução não-violenta de conflitos” e fundamenta-se nos princípios de tolerância, solidariedade, respeito à vida, aos direitos individuais e ao pluralismo. (UNESCO, 2019)

A mediação escolar tem um caminho que vem se delineando no contexto escolar brasileiro, a partir da última década, pelo advento da Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça; da Lei Federal Nº 13.140 de 26 de Julho de 2015 e do Código de Processo Civil, de 2015. Atualmente, a mediação e a conciliação fazem parte do Sistema Multiportas da Justiça brasileira, que as colocou em outro patamar, como novas possibilidades para a resolução de conflitos. A mediação escolar faz parte desse novo sistema.

Sendo assim, nesse contexto ao qual enfrentamos uma crise sem precedentes as comunidades escolares terão que buscar alternativas viáveis de entendimento sobre o melhor para os estudantes e seu futuro. O entendimento deverá ser a tônica das discussões e a mediação escolar poderá ajudar nesse processo.

Muitas questões surgem sobre o futuro dessa geração que está sofrendo as consequências do COVID-19, principalmente porque muitas dessas ainda são desconhecidas.

O certo é que estudantes, professores, gestores escolares, gestores públicos, familiares, comunidade acadêmica, mediadores escolares, pesquisadores e filósofos poderão, a partir das experiências do coronavírus, da aprendizagem sobre o atual momento de crise de saúde pública mundial, poderão, por meio de ações colaborativas, construir sociedades mais humanas, solidarias e empáticas para o futuro da humanidade.

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REFERÊNCIAS

CNE. Conselho Nacional de Educação. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/28/interna_gerais,1142445/covid-19-conselho-nacional-de-educacao-define-diretrizes-escolares.shtml – Acesso em 28/04/2020.

GLOBO. Jornal O Globo. Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-servico/coronavirus-pandemia-leva-57-dos-alunos-do-ensino-medio-brasileiro-terem-aulas-em-casa-1-24353057 – Acesso em 28/04/2020.

MEC. Ministério da Educação. Portal MEC. Disponível em http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=86791 – Acesso em 28/4/2020.

ONU. Organização das Nações Unidas. Disponível em https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706691 – Acesso em 28/04/2020.

______. Organização das Nações Unidas. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/28/interna_gerais,1142445/covid-19-conselho-nacional-de-educacao-define-diretrizes-escolares.shtml – Acesso em 28/04/2020.

UNESCO. Portal das Nações Unidas/Brasil. Disponível em https://nacoesunidas.org/agencia/unesco/, 1999. Acesso em out. 2019.

UNESCO BRASIL. Disponível em https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/expertise/covid-19 – Acesso em 28/04/2020.